Comissão Pastoral da Terra é homenageada em Festival de Cinema da Unifesspa
Símbolo de organização, luta e resistência no país, a Comissão Pastoral da Terra é homenageada pelo Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira (FIA Cinefront) que começou ontem, 12 de abril de 2019, em Marabá.
O festival está em sua quinta edição, organizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis (Proex) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que em parceria com diversos movimentos sociais e outras instituições, oferta sessões gratuitas de cinema no período de 12 a 20 de abril, em memória à Semana Camponesa de luta pela terra. Por isso, as obras de audiovisual apresentadas no Cinefront refletem denúncias e a realidade da região em que a Unifesspa está.
Presente na região desde 1975, a Comissão Pastoral da Terra nasce vinculada à Igreja Católica em plena ditatura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam.
Nestes mais de 40 anos na região, a CPT se utilizou de vários mecanismos para denúncias e estratégias para dar suporte ao homem e à mulher do campo, como o cinema. “Todos os anos homenageamos personalidades do cinema que tenham feito trabalhos relevantes sobre a Amazônia e regiões de fronteira. Esse ano, a escolha pela Comissão Pastoral da Terra se deu pela quantidade de pessoas ligadas à entidade que desenvolveram trabalhos de apoio, formação e luta pela terra e que se utilizaram dessa linguagem como arma de expressão das lutas sociais na Amazônia”, disse Evaldo Gomes Júnior, diretor na Proex e responsável pelo evento.
“A CPT nasceu para ser uma entidade a serviço e prestar assessoria para a luta dos camponeses pela conquista e permanência na terra. Deu contribuição importante à organização dos trabalhadores e contribuiu na transformação da região como uma das que tem maior número de assentamentos e continua ao lado dos trabalhadores prestando assessoria para contribuir com suas lutas e defesas de seus direitos”, destacou José Batista, advogado da CPT em Marabá.
“A fronteira não é algo que existe só na nossa região. São fundamentalmente humanas e acabam envolvendo aspectos muito particulares da forma como você incorpora o espaço e os recursos naturais aos processos de produção capitalistas. Hoje temos nesse processo de incorporação marcada pela expropriação de povos, territórios, que envolve violência, tentativas de negação da cultura. Esse festival é um espaço para disputar as narrativas desse processo através do cinema e principalmente mostrar que a história não é natural”, ressaltou o professor Maurílio Monteiro, reitor da Unifesspa.
Filmes
Na abertura do Cinefront, os filmes apresentados destacaram tanto a realidade da região quanto a luta e o apoio da CPT nas questões que envolvem o direito à posse da terra, direito de nela permanecer e trabalhar, direito de acesso à água, direito ao trabalho e este em condições dignas.
“Há alguns anos atrás, essa universidade decidiu fazer uma programação em memória ao Massacre em Eldorado Carajás, a Semana Camponesa. Umas das atividades para essa semana foi o Cinefront. Deu certo e a semana tornou-se a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) que acontece por todo país e esse festival de cinema que está em sua quinta edição”, destacou Amintas Lopes Júnior, membro da curadoria e um dos idealizadores do festival.
O primeiro filme exibido foi “Bandeiras Verdes”, de Murilo Santos. Filme etnográfico de 1987 retrata a região interiorana do estado do Maranhão, denominada pré-amazônica, abordando aspectos fundiários e migratórios nas relações campesinas coma prática da agricultura de subsistência e a expulsão destes das terras em que se estabelecem, em decorrência da grilagem.
Em seguida, o documentário “Manu: essa história não é minha só” mostra Emmanuel Wambergue, o agrônomo e ativista francês que chegou à região justamente na conjuntura que deu início à Comissão Pastoral da Terra e que contribuiu com esta pastoral, em sua fundação, no apoio aos campesinos do Sul e Sudeste do Pará. Manu, como é conhecido, há quatro décadas segue lutando pela preservação da floresta e pelos direitos humanos na Amazônia.
Outra personagem importante à CPT, Henri Burin des Roziers, também tem sua história de apoio ao povo do campo retratada no documentário “A Lenda da Terra Dourada”, de Stéphane Brasey. A obra apresenta as diversas facetas da luta pela terra: trabalhadores rurais submetidos a condições análogas ao trabalho escravos, o poder público movido por denúncias feitas pela CPT entre outros movimentos sociais e fazendeiros de gado da região.
Homenagens
Para representar a Comissão Pastoral da Terra, estiveram presentes na abertura do Cinefront o advogado José Batista Afonso, da CPT Marabá e o agrônomo e ativista Emmanuel Wambergue. Em conversa com um dos membros da curadoria do Cinefront, Amintas Lopes Júnior, relembraram marcos na história da entidade e nas lutas sociais.
Manu contou aos presentes no Cine Marrocos sobre sua chegada ao Brasil e do interesse que já havia entre padre da região na mobilização para organização dos trabalhadores do campo. “Essa história não é só minha porque tive a sorte de chegar justamente quando tudo estava convergindo para o que se tornou hoje esse movimento do campesinato aqui. Cheguei na década de 70, em meio à ditatura militar, com a presença do Curió e com a repressão a organizações políticas”, contou Manu.“Trabalhávamos com as comunidades eclesiais de base. Onde se tinha mais de 10 pessoas, se criava uma igreja, que já servia de escola depois. Começava a discussão do trabalho a partir da reza – rezava-se um pouco e discutia-se muito. Um dia alguém chegou e disse: “moramos no centro e está aparecendo uns caras lá dizendo que tem título da terra e que devemos sair. Por isso, a ideia era principalmente relatar e ver todos os casos de problema de terra que podiam aparecer, fazer reclames em jornais sobre essas questões aqui e em outras regiões do país. No fim das contas, já estávamos prevendo que ia acontecer muita coisa” lembrou o ativista.
Batista, advogado da CPT, lembrou dos diversos atores dessas lutas sociais, como Paulo Fonteles, Dorothy Stang, Frei Henri, entre outros. Foi o frei quem o convenceu a ficar a trabalhar na entidade à época do Massacre em Eldorados dos Carajás. “Chegamos à Curva do S e tinham manchas de sangues no asfalto, famílias procurando seus parentes. Seguimos o cortejo dos corpos e passamos a noite no velório em Curionópolis. Logo depois, eu já me integrei à equipe de Marabá”, falou Batista.
Ele também ressaltou a preocupação da CPT na organização dos trabalhadores. “Os sindicatos estavam na mão de militares, os partidos sem liberdade; a igreja era local de abrigo. Nesse aspecto, havia um comprometimento com os pobres bem definida e uma linha na teologia da libertação, onde os camponeses encontravam meios de levar suas demandas, as violências a que eram submetidos. A partir das demais demandas, além de equipe jurídica, foram incorporados agrônomos, técnicos agrícolas, e outros profissionais que pudessem contribuir com a comercialização, produção, convivência com floresta, em pensar o modelo de desenvolvimento onde se concilia a agricultura familiar como meio ambiente”, disse o advogado.“Embora tenhamos perdido muitos companheiros, tivemos conquistas. Quantidade de assentamento criados, um contingente de áreas ocupadas muito grande, o enfrentamento da luta pela terra, mas isso é uma etapa, um processo que nos traz outros desafios principalmente com as mudanças conjunturais. Mas a luta segue, outros Henris, outras Dorothys, outros Paulo Fonteles, vão surgindo por aí”, destacou Batista
Uma placa destacando a presteza dos trabalhos oferecidos pela CPT e por Emmanuel Wambergue foram entregues pela professora Margarida Negreiros e pelo reitor da Unifesspa, professor Maurílio Monteiro.
“Digo com muita alegria que essa fronteira é de resistência e há muita justeza nessa homenagem à CPT, entidade fundamental na resistência e denúncia de como essa fronteira tem sido incorporada”, disse o reitor.
A Unifesspa tem longa parceria com a CPT e os movimentos e entidades sociais da região. Batista, em sua fala final, destacou uma das ações de extensão. “A digitalização e preservação do banco de dados sobre questões agrárias e fundiárias da CPT, que possibilitou a construção de diversos documentários e pesquisas, é um dos objetos de parceria com a Unifesspa. Estamos com o trabalho bem avançado em Xinguara e iniciando aqui em Marabá. Esperamos que essa ação possibilite pesquisas e obras cinematográficas que denunciem as questões sociais na região”, finalizou Batista.
“Hoje, aposentado, sou zelador de toda essa história de lutas que nunca parou. Vimos diversos ciclos: borracha, castanha, mas é o campesinato que persiste. Somos 50% de área ocupada por campesinos. Só Eldorado tem 70% ocupada. Não podemos nos abater, mesmo que espaços, como o Incra, tenham sido fechados; que só esse ano, 5 assassinatos. O futuro é árduo, mas asseguro que é a teimosia e a ousadia que nos fez chegar até aqui e o campesinato veio para ficar na região”, concluiu Manu.
“É fundamental perceber que a forma como nós vamos conviver e reproduzir como sociedade é um conjunto de possibilidades em aberto. E ao homenagear entidades que mostram formas de como o homem pode conviver com o meio ambiente e construir uma sociedade mais justa e fraterna é fundamental”, disse Maurílio Monteiro.
Programação do Cinefront
As sessões e debate sobre as obras seguem até o dia 18 em Marabá e nas outras cidades em que a Unifesspa tem campus instalado e no Acampamento da Juventude Sem Terra, na Curva do ‘S’. O Festival também terá programação nas cidades de Araguaína (TO), Porto Grande (AP), Imperatriz (MA). Em Lima (Peru), a programação na Pontificia Universidad Católica será de 10 a 12 de abril com as seguintes obras: Amazônia, masato e petróleo (Produção: Lliga dels drets dels pobles), El verdadero Avatar (Direção: David Suzuki) e La espera, historias del Baguazo (Direção: Fernando Vílchez Rodríguez).
Confira os 14 filmes que serão exibidos na programação do Brasil:
“A Lenda da Terra Dourada”. Ano: 2007. Duração: 55 min. Direção: Stéphane Brasey
"Anel de Tucum". Ano: 1994. Duração 1 h 09 min. Direção: Conrado Berning.
“Ararandeua”. Ano: 2018. Duração: 25 min. Direção: Ricardo d'Almeida
“As hiper mulheres”. Ano: 2011. Duração: 01 h 20 min. Direção: Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro.
“Bandeiras Verdes”. Ano: 1987. Duração 30 min. Direção: Murilo Santos
“Conservadorismo em Foco – Um filme sobre a ideologia burguesa”. Ano: 2018. Duração: 01 h 11 min. Direção: Arthur Moura e Felipe Xavier.
"Dezinho: vida, sonho e luta". Ano: 2006. Duração 42 min. Direção: Evandro Medeiros.
“Dois pesos”. Ano: 2017. Duração: 18 min. Direção: Rejane Neves
“Ex-Pajé”. Ano: 2018. Duração: 1h 21min. Direção: Luiz Bolognesi.
“Expedito em Busca de Outros Nortes”. Ano: 2006. Duração: 01 h 15 min. Direção: Aída Marques e Beto Novaes.
“Ferida Amazônica”. Ano: 2018. Duração: 8 min 30 s. Direção: Bruna Soares, Athos Reis, Delma Pompeu, Gabrielly Siqueira, Raphaela Max e Kerollen Paulina.
“Manu: essa história não é minha só”. Ano: 2018. Duração 15 min. Direção: Giovanna Vale.
“Mulheres, Mães e Viúvas da Terra: Sobrevivência da Luta e Esperança de Justiça”. Ano: 2009. Duração 25 min. Direção: Evandro Medeiros.
‘‘Quilombo Rio dos Macacos’’. Ano: 2017. Duração 120 min. Direção: Josias Pires.
Cinefront 2019: faça download da Programação de Bolso